Museu de Arte do Rio de Janeiro, RJ – BR.
Filho de pais amorosos, Ramo reflete, ainda dentro de casa, na infância, sobre sua ascendência afro-brasileira. Procurando oferecer letramento racial ao filho, a lógica do retrato de pessoas pretas virava assunto no posicionamento familiar. Na adolescência, Ramo se reconhece no hip-hop. E segue negociando sua negritude entre os mecanismos de mobilidade social, ainda que enfrentasse a pouca racialidade das instituições.
Em Ramificar, vemos um artista atento às questões afrofuturistas e quilombistas, consciente dos estigmas que o racismo impõe a corpos negros. São rostos, sobretudo, o que Ramo nos apresenta. Rostos racializados, de frente, de perfil, o que sublinha as características fenotípicas da etnicidade. Com isso, Ramo elabora a ideia da “vilania”, como se houvesse uma marginalidade inventada a quem traz, no corpo, a pele negra.
Ramo se apropria da saga de Ísis e Osíris. Osíris, na construção mitológica, é cortado em catorze pedaços pelo irmão. Ísis, sua mulher, reconstrói o marido, que passa a ter a pele preta transformada em verde. Ramo situa a pele verde de seus personagens a partir desta passagem; nos posiciona em direção ao porvir, ultrapassando a necropolítica que previa (prevê) o aniquilamento dos corpos. E, seguindo a lógica da reparação histórica, o pensamento da vitória é, neste caso, a condição mítica de sobreviver, mesmo que com marcas traumáticas pelo corpo.
Ramificar traça uma linha imaginária diaspórica entre Mauá, São Paulo e a Mauá (Praça), no Rio de Janeiro. Dois lugares com fortes tradições afro-brasileiras. Em comum, as contradições entre território e ancestralidade. Ramo, por outro lado, se interessa pela mudança de perspectivas frente às masculinidades negras, elaborando relações que atravessam a arte e a sociedade.
Marcelo Campos
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Ramificar constrói um possível diálogo imagético entre os territórios da Praça Mauá e da Pequena África, ambas alocadas no coração do Rio de Janeiro, e o território de Mauá (SP), especialmente a MUDA Estúdio, ateliê do artista, acervo da margem e futuro espaço de educação no ABCDM Paulista.
Mapear poeticamente os pontos em comum de ambas as comunidades, sempre degustando com alegria suas especificidades, seus ritos, seu modo de agir e ver o mundo, partindo de uma fome pessoal de aquilombar e se reconhecer nos olhares de seus possíveis pares na Pequena África e no Rio de Janeiro, serve como força motriz de criação e recriação da exposição Ramificar.
Esse escambo cultural, sempre entre iguais, acolhe nossas experiências, nossas narrativas e nossos hábitos desenvolvidos em ambos os territórios, sempre se permitindo afetar por eles, resultando em uma prática de vadiagem estética como ato poético, político, estético e ético.
A encruzilhada entre “O corre do artista”, em meio ao projeto distópico que é o Brasil, traz à tona novas e antigas formas de hackear as necropolíticas há muito produzida aqui,formando um denso muro que nos oprime e nos distancia há tempos do nosso real potencial como sociedade.
Como contramovimento ao muro, é necessário o uso reflexivo e perenes destas tecnologias sociais desenvolvidas nas margens e seus possíveis remixes com criações alocadas no contemporâneo, sampleando soluções inovadoras para cocriar uma nação mais equitativa, sendo necessário performar uma masculinidade preta e favelada de outra maneira, como um contragolpe assertivo frente a uma das nações mais desiguais do mundo.
Ouvir essas reflexões profundas, trazidas pelas várias formas do ser feminino e/ou ser feminista, nos direciona a pensar em como atuamos e o que compreendemos como masculinidades pretas e faveladas, onde existem as fronteiras deste performar, pois masculinidades subalternizadas e masculinidades hegemônica dividem o mesmo ocidente em momentos específico; se misturam, mas sem perder a assimetria do uso poder e seus recursos. Logo, afirmo:
Vilanizar como contragolpe ao enquadramento dos fantasmas da masculinidade hegemônica que nos ditam o que ser, mas que não nos cabem e aos poucos nos matam.
Bricolar como ferramenta de ser, estar, pesquisar e criar um novo mundo!
Hackear este sistema necrófago, para alargar a fissura no muro que nos esmaga, e assim criar espaço de permanência para nós e para outres semelhante a nós.
Ramificar como desejo abundante de complexificar o pensar entre todos esses mundos e a livre convivência de nós para nós.
RAMO